sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Quem veio primeiro: A moto ou a batina?

Reportagem-perfil - Trabalho para disciplina do curso de jornalismo na USJT 


O desejo de fazer algo pelo transito me levou a fazer a missa dos motoqueiros. Cada um vem do seu jeito, de caveira, tatuagem, da forma que quiser, desde que venha para fazer o bem

Repórter: Giovanna Prado

Colocou a jaqueta de couro, os óculos escuros no melhor estilo rock n’ roll, girou a chave, segurou a embreagem, girou o acelerador e... VRUUUUMMMMMMMMMM!!! Pombos saem voando para todos os lados, atordoados com o barulho... VRUUUUUUUMMMMMMM!!! Um rastro de fumaça e cheiro de óleo de motor tomam a frente da igreja. Água benta e um crucifixo para completar o visual do roqueiro, motoqueiro e... padre.

Todos de mãos dadas, olhos fechados. Do alto da torre direita San Gennaro acena para os fiéis em oração, que religiosamente fazem suas preces: Senhor, Deus da vida, que protegeis os que em Vós confiam, abençoai-me neste momento e também minha moto. Concedei-me mãos firmes, olhos atentos e muita cautela no trânsito, para que eu possa fazer uma boa viagem e chegar em paz ao meu destino. Livrai-me, Senhor, de acidentes: que eu não atropele, não fira e nem seja causa de morte para ninguém.

Não é somente o papa Francisco que traz ares moderninhos para a igreja Católica Apostólica Romana. Um canto toma conta da paróquia de San Gennaro Mártir, na Mooca, que completará em alguns meses 100 anos de existência. Um canto nada convencional, afinal, quantas vezes ao passar em frente a igreja ouvimos o padre cantando músicas do U2? Aliás, não deveria ser estranho, visto que a própria banda é declarada católica e já transformou o salmo 40 em pop/rock.

Os frequentadores mais antigos adoram os novos amigos barbudos, cabeludos, tatuados e headbangers que foram trazidos pelo padre Claudiomiro Bispo. Todos se acomodam no ambiente claro, cercado de estátuas de santos e velas. Capacetes colocados no altar, eles estão ansiosos para a procissão motorizada que percorrerá as ruas do bairro tipicamente italiano, ansiosos para ``manjar`` a deliciosa macarronada ao som de Beatles, Led Zeppelin e Rolling Stones e mais ansiosos ainda para viver em um mundo onde as pessoas não sejam mortas em acidentes de trânsito.

O pessoal sempre pergunta, o que veio primeiro: a moto ou ser padre? A resposta é rápida, A MOTO é claro! Nesse momento, quem responde já não é mais o padre, é o garoto nascido em Arapiraca, uma das principais cidades do interior de Alagoas, criado por  família religiosa e que acima de tudo ensinara o respeito para com todos, principalmente, para com os mais velhos. O sorriso  nos olhos indica saudade e a  certeza de que tudo valeu a pena.

Era um garoto normal, frequentava baladas, inclusive micaretas, namorava. Curtia música, de todos os tipos, sempre foi eclético, mas como todo mundo, tem seu xodó, sente o coração diferente quando ouve cada nota de uma boa e velha guitarra. Aproveitou bem a juventude, sem vício algum, sem exageros desnecessários, aproveitou na verdade o bom da vida, de fazer o que quer sem se destruir ou as pessoas a seu redor. Aos 19 anos, sentiu que havia chegado o momento em que deveria decidir, e não restou dúvidas de que nascera para padre, apesar da adrenalina ao sentir a velocidade do veículo de duas rodas, estava dividido em dois amores e sabia que não poderia abrir mão de nenhum dos dois.

Na Terra da Garoa, escolheu viver e ordenar-se, sem jamais deixar de ser quem  é. Afinal, Claudiomiro já existia antes da batina e depois dela, continuaria a existir em sua essência, não importa o que acontecesse, seria mais maduro, mas seria ele mesmo. A “motoca” o acompanhou nos anos de seminarista, mesmo que às escondidas, tinha duas paixões tão grandes, presentes como digitais, únicas, intransferíveis e que eram para sempre.

No dia 18 de março de 2006, se tornava oficialmente, o Padre Motoqueiro. Uma tarefa que não poderia ser fácil em uma religião com tradições de mais de dois mil anos, os mais conservadores o criticavam. Onde já se viu um padre de jaqueta de couro pilotando uma moto? Não demorou muito para que frequentadores de moto clubes, antes excluídos pelos demais fiéis, se sentissem a vontade para retomar suas atividades religiosas e lotar os bancos da casa de Deus, agora que tinham o apoio do pároco. Levou muito tempo até que todos sentassem lado a lado na igreja, na Paróquia Santa Margarida Maria, no bairro Vila Mariana. E o mesmo longo processo ocorreu quando fora transferido para a igreja de San Gennaro Mártir, em 2011. 

A comunidade mooquense ficou surpresa ao ver dezenas de caras barbadas carregando alimentos para doação e comovidos com as celebrações, não é sempre que se vê homens de 1,90, com roupas de taxinha e caveiras chorando ao ouvir o hino de Nossa Senhora Aparecida. As diversas obras sociais que já existiam, receberam uma ajuda extra dos rapazes das várias escuderias e tem atendido cada vez mais pessoas na região. O preconceito deu lugar à amizade. Uma lição que a bíblia tanto tentou transmitir para aquelas pessoas, finalmente possuía sentido e só pode ser aprendida na prática. Agora a frase era: Amai-vos uns aos outros, tatuados ou não, cabeludos ou não! Por que o normal é relativo, não é mesmo?

A bondade deve ser algo em comum, deve ser essa imagem e semelhança com o divino que tanto dizem, seja lá qual religião for. Os exemplos, não são de pessoas que se encaixam em tudo o que nos dizem ser certo, eles estão na forma com a qual lidamos com nossas vidas diariamente, nas nossas superações, na forma de encarar o que somos. A paixão por algo, não deve nos impedir de sermos livres e felizes. 

É agora, o ultimo domingo do mês, mais uma missa dos motociclistas está para ser celebrada. Poderia estar silencioso, mas o ronco dos motores acaba de acordar a vizinhança. A garotada toda sai correndo, com os olhos sonolentos e um sorriso estampado no rosto, muitos ainda de pijamas, segurando pelúcias e ignorando os gritos histéricos das mães lhes dizendo para voltar e tomar café ou então para colocarem uma blusa de frio. As pessoas se acumulam nas janelas, a banda toca o hino de San Gennaro, padroeiro do bairro. Do alto da torre, a benção, e VRUUUUUMMMMMMM!!! Lá se vai, novamente, o Padre Motoqueiro. 



2 comentários:

  1. Tirando o "coracação" desculpe, sou chato mesmo, rs, é um texto muito bem escrito que me fez arrepiar em alguns momentos, talvez em função dos anos de convivência da nossa amada, apesar de estar tão abandonada pelos mandatários, mooca baixa. Parabéns garotinha espero ter o privilégio de acompanhar seu amadurecimento nesta arte que a poucos é dado o dom, a arte de escrever e emocionar.

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  2. Nossa Giovanna... ARRASOU ficou demais esse texto... Estou totalmemte sem palavras e adimirada com seu talento. Você soube realmente colocar pontos que chamam a atençao e que dao gosto de ler... Parabéns, desejo a você muito sucesso !!!

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